Café & Resenha: Dias de Abandono, de Elena Ferrante
Um mergulho na dor de uma mulher e um café com Elena Ferrante
Olá, pessoa do outro lado da tela! Tudo bem?
Hoje quero falar sobre uma de minhas autoras favoritas. Ela mesma, dona Ferrante.
Ler Dias de Abandono, de Elena Ferrante, foi como abrir uma janela para um caos silencioso e, ao mesmo tempo, ensurdecedor. É uma história que nos toma pela mão, quase à força, e nos arrasta para os cantos mais escuros da mente de Olga, uma mulher que tenta, sem sucesso, lidar com o abandono repentino do marido. Confesso que a escrita de Ferrante sempre teve esse efeito em mim: ela não me deixa confortável. Acho que foi até loucura da minha parte ler esse livro durante o meu puerpério — ainda bem que li A filha perdida alguns anos antes.
Em Dias de Abandono, Ferrante nos dá o retrato de uma mulher despedaçada, mas que não tem medo de mostrar essas cicatrizes ao leitor. Olga transita entre o amor, a raiva, o ciúme e o desespero de maneira tão honesta que, às vezes, parecia que eu estava invadindo sua privacidade. E essa é, talvez, a maior força da autora: ela cria personagens tão reais que, em vários momentos, me peguei pensando se estava lendo um romance ou uma confissão íntima.
A escrita de Elena Ferrante tem me conquistado exatamente por isso — ela é sem filtro. Não há floreios ou tentativas de suavizar a realidade das mulheres que protagonizam suas histórias. A autora nos dá uma visão nua e crua da vulnerabilidade feminina, e Dias de Abandono é a prova disso. Eu terminei o livro com o coração pesado, mas, ao mesmo tempo, grata por essa experiência literária.
E, por vezes, me pego imaginando como seria sentar com Elena Ferrante em um café — mesmo que seja um daqueles encontros imaginários, já que a verdadeira identidade dela permanece um mistério. Quem sabe ela apareceria de surpresa, com um café forte nas mãos, e me olharia como quem já conhece todos os meus segredos.
Um dos momentos mais marcantes de Dias de Abandono que escolho destacar é quando Olga, já imersa no turbilhão de emoções, tem uma crise violenta dentro de casa, isolada, sem conseguir cuidar de si mesma ou dos filhos. Esse trecho é devastador porque retrata de maneira brutal o colapso mental e emocional de uma mulher que, até então, parecia segurar as rédeas da sua vida.
Ela não consegue realizar as tarefas mais simples, e o leitor sente na pele o desespero crescente dela. Enquanto o apartamento se torna uma prisão claustrofóbica, Olga, cercada pelos filhos e pelo cão doente, é tomada por um caos físico e psicológico que a consome. A sensação é sufocante, a leitura fica mais densa e, por um momento, parece que a personagem vai desaparecer naquele turbilhão de abandono e descuido. A autora descreve tudo isso com uma clareza que me fez sentir como se estivesse presa naquele apartamento com ela, dividindo o ar rarefeito.
Atenção, então, reorganizar os fatos. Já durante a noite algo dentro de
mim cedeu, se rompeu. Desmantelaram-se razão e memória, a dor
duradoura consegue fazer isso. Eu achei que me deitara, mas não o fiz. Ou
fui e depois levantei. Corpo desobediente. Ela escreveu nos meus cadernos,
escreveu páginas e mais páginas. Escreveu com a mão esquerda, para
combater o medo, para resistir à humilhação. Provavelmente tinha sido
assim.
Senti o peso do pulverizador, talvez tivesse lutado a noite toda contra
as formigas, em vão. Passei inseticida em todos os cômodos da casa e por
isso o Otto estava mal, por isso Gianni vomitou tanto. Ou talvez não. Meus
lados opacos inventavam culpas que Olga não tinha. Pintar-me desalinhada,
irresponsável, incapaz, me induzir à autodifamação que teria confundido
ainda mais a situação real e teria me impedido de desenhar as bordas,
estabelecer o que era, o que não era.
(p.131)
Esse recorte me impactou profundamente, porque representa não só o colapso emocional de Olga, mas também a metáfora do que significa ser mulher em um mundo que exige força e autocontrole constante. Ela tenta lidar desesperadamente com suas responsabilidades diárias enquanto é despedaçada por dentro, e esse contraste, entre o banal e o trágico, é o que faz a escrita de Ferrante ser tão pungente.
É como se Ferrante dissesse: aqui está a verdade. Ela não é bonita. Ela não é fácil. Mas é real.
Esse momento específico em que Olga se vê sozinha, lutando contra sua própria mente, é um espelho para tantas realidades silenciosas que muitas mulheres enfrentam diariamente. A escrita de Ferrante não se preocupa em maquiar essas verdades ou torná-las mais fáceis de digerir. Ao contrário, ela nos obriga a encarar de frente, quase como um pedido de empatia. É impossível sair ileso dessa leitura. Olga se torna uma parte de você, e sua dor ressoa em algum lugar profundo, mesmo quando você fecha o livro e tenta voltar ao seu dia normal.
Ferrante tem essa capacidade única de nos envolver tão profundamente em suas histórias que, por vezes, sentimos como se estivéssemos vivendo aquilo junto com os personagens. Em Dias de Abandono, somos levados ao limite da sanidade, da raiva, do desespero. Isso, para mim, é o que define uma grande escritora.
E é justamente por isso que, às vezes, eu me pego imaginando um encontro casual com Elena Ferrante em algum café perdido por aí. Posso imaginar me confessando a ela como suas palavras me fizeram sentir tantas coisas ao mesmo tempo, e ela, com um olhar que já parece saber de tudo, talvez só sorrisse de leve e me oferecesse um café bem forte. Afinal, depois de Ferrante, a vida nunca mais parece simples.
Uma nova Olga nas telas…
Ah, uma curiosidade interessante: Dias de Abandono vai ganhar uma nova adaptação para o cinema! E quem vai protagonizar é ninguém menos que Penélope Cruz. Segundo a Variety, o filme será dirigido por Isabel Coixet. Porém, um detalhe, é que o filme será todo em inglês e, em vez de se passar na Itália, como no livro, a história será transposta para os Estados Unidos. Será que isso vai dar bom? (expressão que usamos aqui no Rio). A adaptação original de 2005, estrelada por Margherita Buy, foi bem recebida. Por isso, confesso, estou com um certo receio de como a ambientação americana vai afetar a história.
Vamos ver o que vem por aí! 👀
Até a próxima página,
Ana.
⏳ Em andamento…
📖 Cem anos de solidão - Gabriel García Márquez
Faz algumas semanas (meses) que estou lendo Cem anos de solidão. Tem sido uma leitura incrível! Já tinha o livro aqui em casa, mas nunca me sentia pronta para ler. Depois do semestre passado, com uma disciplina de Literatura Hipano-Americana, fiquei animada para iniciar a leitura. Na disciplina, nós trabalhamos temas como realismo mágico, maravilhoso, fantástico e o horror, então não fiquei tão perdida com a escrita do Gabo.
E sobre a história em si, até comentei no Notes que lendo Cem Anos de Solidão percebi que acompanhar a família Buendía é tipo tentar entender as atualizações do algoritmo das redes sociais em 2024. Sempre mudando, te deixando confuso, mas você continua lá, porque é viciante!
No começo parecia confuso e o meio parecia o começo. Comecei anotando quem era quem, mas desisti. Agora só sigo a minha vida e vou dançando conforme a música.
📌 Aquele em que eu recomendo…
Ei, você está sabendo que comecei um projeto novo? Atualmente, estou cursando uma disciplina na faculdade chamada Ficção Brasileira I. Na disciplina, aprendemos e discutimos sobre crônicas e contos, gêneros que sou apaixonada. Com isso, tenho me desafiado a escrever minicontos aqui para o Substack. Criei, então, uma newsletter chamada Olho Nu, ainda dentro do Literana. É uma news feita especialmente para minicontos que exploram a observação e os mistérios do cotidiano. A cada 15 dias, sempre às segundas-feiras à noite, um novo conto é enviado, trazendo histórias curtas que capturam detalhes sutis e reflexões sobre as pequenas coisas que nos cercam.
Esse texto me levou a memória de você me contando detalhes desse livro enquanto lia, Elena definitivamente é uma das autoras mais profundamente complexas que já vi.